terça-feira, 30 de novembro de 2010

REPELENTE


Ataque esses olhos que vigiam
Secam minha úmida face
Fere, mate os que agiam
Contra mim – e me abrace!

Dê-me a amizade mais pura
A sua força interior, a dor
Que sente e a muito dura
Neste olho triste, sem amor.

Esfole todo inimigo meu
E defenda-me do mau anjo
Traga de volta o mar e o céu
Tornando-se meu arcanjo.

Depois, saciado e vingado
Cuspo os cacos do que sobrou
Na cruz o seu corpo pregado
Ateio fogo em si, que me vigiou.

SOL INTERIOR


Fora daqui
A um passo apenas
Há muita lágrima
Enxurrada de pranto
Derramada de bons anjos
Arcanjos e mentores de outros mundos
Há pingo de ingratidão
Escorrem e umidificam
Esses lastimáveis atos
Impensados acontecimentos
Dentro de cá
O conforto do calor
Do teto que cobre
Da parede que envolve
Acalenta
Da janela percebe-se escuridão
Breu, sombra, trevas
Lua não há
Estrela não há
Planeta, muito menos
E silenciosamente atrelamos nossos corpos
Na delícia de estarmos protegidos
Pois aqui dentro
(e só dentro)
É que o amor ilumina
“E o ponto delicado do sentimento é o amor, não o amor no sentido vulgar do termo, mas esse sol interior que condensa e reúne em seu ardente foco todas as aspirações e todas as revelações sobre-humanas”.


(citação de Allan Kardec, in: O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XI)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

PARA UM FLAMINGO


Certo dia eu avistei um flamingo
Chorando de bico afiado
No meio da tarde de domingo
Rugindo, não tinha piado.

Ave estranha de postura
Estatura alta, pernalta
Lateralmente a procura
Voo adiante que salta.

Cegonha cor-de-rosa
Que vivia alí aos bandos
No convívio em prosa
Movimento de cabeça brando.

Questionei dita ave
Da estranheza de estar só
Respondeu-me quão grave
Seu caso de dar dó.

Flamingo posto, abandonado
Cuidava sozinho do lago
Seu bando havia migrado
Hoje ficou sem afago.

Na sua mente um desejo
Antes que lhe venha a idade
Apenas por um lampejo
Um indício de amizade.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

PEQUENO PRÍNCIPE II

Damos asas aos pensamentos
Quando nos enganam, maltratam
Ferido em nossos sentimentos
Sentidos que nos matam.

Bastam palavras rudes
Bastam pequenas provocações
Falta-nos a solicitude
Não mais medimos as ações.

Não damos água às nossas rosas
Damos-lhes, sim, as costas
Nunca mais afetuosas
Essas são nossas respostas.

O vento em sua pétala macia
Não nos importa mais
Não nos tem valia
Antes eterno, agora jamais.

Déssemos conta de cativar
Cada rosa do nosso dia
Adubar, podar, regar
Tudo seria pura sintonia.

A rosa que cativamos
É a nossa rosa linda
Foi ela a quem amamos
Ela merece mais amor ainda.

A rosa que cativamos
Merece atitude festiva
Pois a ela sempre somos
Responsáveis pelo que cativa.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CAMPO MAGRO - PR


CAMPO MAGRO

Curta, estreita, esburacada estrada
E a vil sensação de não se ter rumo
De rumar ao norte sem ter norte
Anda-se e para a cada alta lombada
Segue-se triste na Beira do prumo
Caminho que não requer passaporte.

Do Cerne, de vegetação melancólica
Retrata o ir e vir de uma saudade
Da falta da companhia boa e amiga
Sorriso doce nesta fantasia bucólica
De um sentimento único, de verdade
Do amor puro que dois corações liga.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ALÉM PARTIDA


Desde o dia que partiu
Meu sono de depois do almoço
De depois da janta
De depois
Virou sono pra depois
Depois de tudo
Depois
Depois fiquei assim
Meio mudo
Meio perdido
Perdido de depois
Depois que você partiu.

POETA III

Mágico
Que transcende nuvens
Esplendoroso maestro de palavras
Escultor de tinta e papel
Locutor de peças celestiais
Mas, não!
Seu brilho reside
Em soar (no ar)
Tudo o que gostaríamos de ter dito
Mas não ditamos
Nem pairamos.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CHUVA




Tem horas que a chuva parece
Fumaça
Parece que ofusca
Faz movimentos
Quando rápida e brusca
Parece que dança
Valsa ao som dos ventos.


terça-feira, 9 de novembro de 2010

TEMPESTADE


Fuzilam anjos revoltos no céu
A tempestade fecha o clima
Acende a silueta do mausoléu
Da pouca luz que vem de cima.

Deus, trêmulo, irado e colérico
Impõe seu domínio sobre o Ser
Criado da sua imagem esotérico
Ditando quão imenso seu poder.

Inundado e sombrio o cemitério
Torna-se de aspecto pavoroso
Guardando o que jazia mistério

Os segredos do Ser tão penoso.
Para esse Ser resta o Ministério
A nós mais um triste dia chuvoso.

NOVA LEMBRANÇA

Que é por si que tudo aturo
Que a lembrança me esvai
Para o outro lado do muro
Perturbada mente foge e sai.

Fantasmas dançam e cantam
A alegria de serem esquecidos
Com sua presença se espantam
Pensamentos doces atrevidos.

Dor eterna de um até logo
- infinita era atemporal –
São mil anos que me afogo

Chuvas de choros, temporal
Pela sua presença que rogo
Não mais o que é racional.

BOCA


Assim correndo como louca
Busca a essência de lábios
Quer ser ela a minha boca
Acha terá palavra dos sábios.

Desvairada dilacera a carne
Dessa pele macia, tenra, fina
Procura ter pra si o charme
Saltitante, faceira, desatina.

Doida de todo tipo e gênero
Boca quer, jura querer ser
Nem seja momento efêmero

Algum pescoço quer morder
Quem sabe dar beijo sincero
Aprazer de saliva, quão prazer.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

CÂNTICO À MINHA MORTE


Culpa os pássaros não tiveram
Quando deram causa à insônia
Em amanheceres que me deram
Grau sonâmbulo de santimônia.

Não! Nenhum ser agiu com dolo
Só o ato internamente praticado
Lançou esse corpo abjeto ao solo
À escuridão onde será enterrado.

Já que vida não há nessa carcaça
Venham os pássaros e lhe biquem
Arranquem carne com riso e graça

Instrumentos musicais toquem
Chuva inunde o velório em pirraça
Piem aves e como eu se afoguem.


(na imagem "El Velorio", de Diego Rivera).

sábado, 6 de novembro de 2010

MOMENTO


Passo hoje todo o dia em vão
Sem nada pensar ou fazer
Deitado de bruços no chão
Só lápis no papel a escrever.

Céu claro e ideia límpida
Dia lindo para um poema
Verso desejado e querido
Flui com qualquer tema.

Não importa metrificação
Vale apenas a leve rima
Que reflete a emoção

De ver o que está acima
Nesta vasta imensidão
Momento da vida íntima.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O AMOR

Vi o amor
No mesmo dia que me bateu a catástrofe
Big ben  do meu ser.

Vi o amor
Montado no lombo de um cavalo, em trote
Cela da minha sustentação.

Vi o amor
No barulho da cerra que derrubava a araucária
Espinho que me mantém acordado.

Vi o amor
Na face da jovem viciada grávida de oito meses
Parto da minha renascença.

Vi o amor
No esforço do idoso ao subir as escadarias
Degraus da minha salvação.

Vi o amor
Enfim, em tudo o que há neste mundo
Pois o mundo é todo amor.